quarta-feira, 22 de abril de 2015

À espera do Registro de Identidade Civil eletrônico: impacto na administração pública e implicações arquivísticas

Julianne Teixeira e Silva[i]
Este post é a primeira parte de uma série na qual pretendo apresentar e expor alguns aspectos gerais sobre o prenúncio de um documento de identidade eletrônico para os cidadãos brasileiros, a fim de convidar a comunidade arquivística para reflexão em torno do impacto que a adoção deste documento pode proporcionar direta e indiretamente às rotinas da administração pública, ao exercício da cidadania e sobretudo nas implicações arquivísticas que tendem a acontecer no caso da implementação deste novo documento.
O documento de identidade único é uma tentativa que se ambiciona, no Brasil, desde 1997 quando foi publicada a Lei 9.454 que institui o número único de Registro de Identidade Civil (RIC). Esse registro ofereceria mudanças na nossa conhecida “carteira de identidade” ou Registro Geral (RG) como é oficialmente denominado.
Fonte: Folha de São Paulo
Online.30/12/2012
O RG tem validade em todo território nacional e nos países que compõem o  Mercosul e na maioria dos países membros da UnaSul. Entretanto, o RG apresenta alguns problemas, o principal deles está relacionado com sua gênese. O “Registro Geral” não é unificado em território nacional, isto é, cada estado, por intermédio de sua Secretaria de Segurança Pública, emite um documento requerido pelo cidadão. Significa dizer que um brasileiro pode ter até 27 documentos do tipo RG. Essa descentralização é um ponto de vulnerabilidade deste documento, o que acarreta certa facilidade em ser falsificado e não é difícil encontrar notícias divulgando casos dessa natureza.
Além dessas peculiaridades sobre o nosso RG, no decorrer de nossas vidas temos que responder a vários outros órgãos aos quais somos representados por diferentes registros e documentos como, por exemplo, título de eleitor, cadastro no SUS, CPF, Cartão Cidadão, registro civil (cartórios), PIS, Pasep, registro profissional, carteira de estudante, carteira de trabalho, entre outros. Vale ressaltar aqui, que para alguns desses registros são necessárias senhas – que é um calvário à parte. Todo esse aparato de bancos de dados de identificação, repetição e duplicação de informações pessoais e senhas cada vez mais mirabolantes, não são fáceis de administrar nem por nós, menos ainda para o governo.
Diante de tanta variedade de registros, dos problemas relacionados a fraudes, da necessidade de controle dos programas e ações do governo junto aos cidadãos, surge a proposta, do governo federal, em unificar não apenas o número do RG, mas todos os documentos e registros que o cidadão brasileiro possui junto aos órgãos públicos. O que simplificaria, num primeiro momento, diversos trâmites dentro do próprio governo federal, entre governo federal e os estaduais e entre governo e cidadãos.
Em maio de 2010 foi publicado o Decreto 7.166 que regulamenta disposições da Lei 9.454/1997, cria o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil (RIC) e institui seu comitê gestor.  Em dezembro de 2010, aconteceram divulgações oficiais e campanhas publicitárias anunciando o projeto do novo documento de identidade em que, no primeiro ano, aconteceriam testes em algumas cidades brasileiras contando com recursos de R$ 90 milhões. No projeto estava previsto que a nova identidade seria como um Smart Card[ii] (como os usados pelos bancos) contendo chip - o que viabilizaria a certificação digital, inclusive, pra que o cidadão pudesse assinar documentos eletrônicos utilizando o recurso da assinatura digital.
Ainda na fase de testes os responsáveis perceberam a complexidade do projeto e o mesmo foi interrompido. Depois deste fato os anúncios oficiais sobre o andamento do projeto do RIC cessaram. Recorri aos direitos estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação (Lei 12527/2011) e formalizei uma solicitação no SIC do Ministério da Justiça e aguardo um posicionamento sobre o que de fato aconteceu para que o projeto fosse suspenso. Obviamente, quando obtiver um retorno, farei outra publicação aqui no Olhar Arquivístico relatando o que me for informado.
Contudo, dois fatos recentes me chamaram atenção e me motivaram a escrever sobre esse assunto. O primeiro foi o arquivamento, no início de 2015, do Projeto de Lei 3860/2012, que esteve em tramitação na Câmara dos Deputados, onde foram discutidas várias pautas a respeito do RIC e sua complexidade, porém o PL encontra-se, no momento, arquivado.
Em março 2015 mais uma vez, foi mencionado pelo governo federal (em uma fala da Presidente Dilma Rousseff) o andamento para que o Registro de Identidade Civil único saia do papel, e desta vez é citado um projeto que está em fase de estudos. O comentário foi feito no decorrer de uma entrevista coletiva – em que o foco não era exatamente este, e sim o de fazer entregas de casas do programa Minha Casa Minha vida – deste modo, não foi possível “captar” se a presidente fazia referência ao mesmo projeto que foi interrompido em 2011 ou se é uma nova proposta vinda do TSE e não do Ministério da Justiça ou do Ministério do Planejamento.
No momento, as informações estão bastante desencontradas. De qualquer modo, fica implícito que o caso não está sepultado. O que, de certo modo, se reflete numa esperança de que, recursos e esforços técnicos envolvidos, não tenham sido em vão. Desta feita acredita-se que num futuro breve este documento de identidade eletrônico seja uma realidade no Brasil.
Entendendo que conhecer a realidade e o porvir nos substancia para planejamentos menos arriscados, os fatos apresentados me levaram a uma incursão sobre o questionamento de qual seria o papel da arquivística nesse cenário que se descortina.
 Na segunda parte, falaremos com mais detalhes a respeito do RIC e suas funcionalidades eletrônicas, as quais podem ser aplicadas ao governo eletrônico. Trataremos ainda sobre o impacto que a implementação do RIC poderá trazer à administração pública e como o fazer arquivístico se insere nesse contexto.
 “O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender em ‘círculos de segurança’, nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la”
(Paulo Freire. Pedagogia do oprimido)






[i] Professora do curso de graduação em  Arquivologia da UFPB,  Mestre em Ciência da Informação pela UFMG, Doutoranda em Ciência da Informação – PPGCI/UFPB.
[ii] Para saber mais sobre smart cards ver: RANKL, Wolfgang; EFFING, Wolfgang. Smart card handbook. 4.ed. Wiley & Sons, 2010.

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