Julianne Teixeira e Silva[i]
Este post é a primeira parte de uma
série na qual pretendo apresentar e expor alguns aspectos gerais sobre o prenúncio
de um documento de identidade eletrônico para os cidadãos brasileiros, a fim de
convidar a comunidade arquivística para reflexão em torno do impacto que a
adoção deste documento pode proporcionar direta e indiretamente às rotinas da
administração pública, ao exercício da cidadania e sobretudo nas implicações
arquivísticas que tendem a acontecer no caso da implementação deste novo
documento.
O documento de identidade único é uma
tentativa que se ambiciona, no Brasil, desde 1997 quando foi publicada a Lei 9.454 que institui o número único de
Registro de Identidade Civil (RIC). Esse registro ofereceria mudanças na nossa
conhecida “carteira de identidade” ou Registro Geral (RG) como é oficialmente
denominado.
Fonte: Folha de São Paulo Online.30/12/2012 |
O RG tem validade em todo território
nacional e nos países que compõem o Mercosul e na maioria dos países membros
da UnaSul. Entretanto, o RG apresenta
alguns problemas, o principal deles está relacionado com sua gênese. O
“Registro Geral” não é unificado em território nacional, isto é, cada estado,
por intermédio de sua Secretaria de Segurança Pública, emite um documento
requerido pelo cidadão. Significa dizer que um brasileiro pode ter até 27
documentos do tipo RG. Essa descentralização é um ponto de vulnerabilidade
deste documento, o que acarreta certa facilidade em ser falsificado e não é
difícil encontrar notícias divulgando casos dessa natureza.
Além dessas peculiaridades sobre o nosso RG,
no decorrer de nossas vidas temos que responder a vários outros órgãos aos
quais somos representados por diferentes registros e documentos como, por
exemplo, título de eleitor, cadastro no SUS, CPF, Cartão Cidadão, registro civil
(cartórios), PIS, Pasep, registro profissional, carteira de estudante, carteira
de trabalho, entre outros. Vale ressaltar aqui, que para alguns desses
registros são necessárias senhas – que é um calvário à parte. Todo esse aparato
de bancos de dados de identificação, repetição e duplicação de informações
pessoais e senhas cada vez mais mirabolantes, não são fáceis de administrar nem
por nós, menos ainda para o governo.
Diante de tanta variedade de
registros, dos problemas relacionados a fraudes, da necessidade de controle dos
programas e ações do governo junto aos cidadãos, surge a proposta, do governo
federal, em unificar não apenas o número do RG, mas todos os documentos e
registros que o cidadão brasileiro possui junto aos órgãos públicos. O que simplificaria,
num primeiro momento, diversos trâmites dentro do próprio governo federal,
entre governo federal e os estaduais e entre governo e cidadãos.
Em maio de 2010 foi publicado o Decreto 7.166 que regulamenta disposições da Lei
9.454/1997, cria o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil (RIC) e
institui seu comitê gestor. Em dezembro
de 2010, aconteceram divulgações oficiais e campanhas publicitárias
anunciando o projeto do novo documento de identidade em que, no primeiro ano,
aconteceriam testes em algumas cidades
brasileiras
contando com recursos de R$ 90 milhões. No projeto estava previsto que a nova
identidade seria como um Smart Card[ii]
(como os usados pelos bancos) contendo chip - o que viabilizaria a certificação
digital, inclusive, pra que o cidadão pudesse assinar documentos
eletrônicos
utilizando o recurso da assinatura digital.
Ainda na fase de testes os
responsáveis perceberam a complexidade do projeto e o mesmo foi interrompido. Depois deste fato os anúncios
oficiais sobre o andamento do projeto do RIC cessaram. Recorri aos direitos
estabelecidos pela Lei
de Acesso à Informação (Lei 12527/2011) e formalizei uma solicitação no SIC
do Ministério da Justiça e aguardo um posicionamento sobre o que de fato
aconteceu para que o projeto fosse suspenso. Obviamente, quando obtiver um
retorno, farei outra publicação aqui no Olhar Arquivístico relatando o que me
for informado.
Contudo, dois fatos recentes me
chamaram atenção e me motivaram a escrever sobre esse assunto. O primeiro foi o
arquivamento, no início de 2015, do Projeto de Lei 3860/2012, que esteve em tramitação na Câmara
dos Deputados, onde foram discutidas várias pautas a respeito do RIC e sua
complexidade, porém o PL encontra-se, no momento, arquivado.
Em março 2015 mais uma vez, foi
mencionado pelo governo federal (em uma fala da Presidente Dilma
Rousseff) o
andamento para que o Registro de Identidade Civil único saia do papel, e desta
vez é citado um projeto que está em fase de estudos. O comentário foi feito no
decorrer de uma entrevista coletiva – em que o foco não era exatamente este, e
sim o de fazer entregas de casas do programa Minha Casa Minha vida – deste
modo, não foi possível “captar” se a presidente fazia referência ao mesmo projeto
que foi interrompido em 2011 ou se é uma nova proposta vinda do TSE e não do Ministério da
Justiça ou do Ministério do Planejamento.
No momento, as informações estão
bastante desencontradas. De qualquer modo, fica implícito que o caso não está
sepultado. O que, de certo modo, se reflete numa esperança de que, recursos e
esforços técnicos envolvidos, não tenham sido em vão. Desta feita acredita-se
que num futuro breve este documento de identidade eletrônico seja uma realidade
no Brasil.
Entendendo que conhecer a realidade e
o porvir nos substancia para planejamentos menos arriscados, os fatos apresentados
me levaram a uma incursão sobre o questionamento de qual seria o papel da
arquivística nesse cenário que se descortina.
Na segunda parte, falaremos com mais detalhes
a respeito do RIC e suas funcionalidades eletrônicas, as quais podem ser
aplicadas ao governo eletrônico. Trataremos ainda sobre o impacto que a
implementação do RIC poderá trazer à administração pública e como o fazer
arquivístico se insere nesse contexto.
“O radical, comprometido com a libertação dos
homens, não se deixa prender em ‘círculos de segurança’, nos quais aprisione
também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade
para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la”
(Paulo Freire. Pedagogia do oprimido)
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